quarta-feira, 20 de novembro de 2013

De duas uma

Acho que a vida de concurseira pode ser uma afronta à criatividade. Desde que me afundei um pouco mais no dificílimo propósito de gastar horas do dia estudando, não tenho visto muitas coisas e o que tenho visto não me inspira estórias. De duas uma: ou a burocracia já se inicia por aqui ou minha fonte secou!

Acontece que hoje senti saudades de escrever. Não tenho nada pra contar, não tenho inspiração, estou escrevendo à medida que os pensamentos me vêm à cabeça. Não é brainstorming, é só birra de escrever (mesmo que seja escrever por escrever, pra mim tanto faz, o azar é de quem ler!).

Há algo nada glamoroso, mas muito atraente nos bastidores de um blog. Pouca coisa me dá mais satisfação do que polir e repolir o texto primitivo, encher o saco dele e publicá-lo mesmo sabendo que, com certeza, tem mais erros despercebidos por entre as linhas. Aí começa a mágica: 1 comenta, 3 leem, mais 5 leem, 7 curtem... quem está de fora não tem noção do furor emocional que um gráfico de estatísticas de visualização em ascendência pode causar! É disso que tenho saudade. E os acessos internacionais então?! Que sensação maravilhosa saber que alguém te clicou em Israel! Provavelmente são cliques errados de gringos distraídos, mas me enchem de pseudo-orgulho mesmo assim. Confesso que meu fim da picada foi ter acessado inúmeras vezes o Caso Crônico quando fui ao Uruguai só pra que constasse mais um país na minha listinha de “países que te visualizaram”. Doidices de quem escreve.

Numa tentativa de sanar o engessamento criativo da vida concursal, criei um blog sobre isso, mas ele era tão insuportável que não me animei a encará-lo mais. Está semimorto lá, infrutífero, sobrevivendo apenas da minha esperança em achar graça na rotina. Mas, para que fique claro, estarei sendo injusta se passar a ideia de que não há alegria na vida de quem estuda pra concurso público. Mamar nas tetas do governo é incentivo para muitos, mas eu realmente gosto de aprender coisas novas e, como tudo o que tenho visto é novo, acabo me instigando; só pentelha a dificuldade absurda que tenho em me disciplinar - marca indelével dos anos de livin’ la vida loca-tropical-pobre-brasileira.

Comunico: vou bancar o velho aposentado e gastar algumas horas sentada na praça. Jogarei até xadrez se preciso for, tudo pra ver se, saindo das minhas quatro paredes, algo me atiça. Se outra crônica aparecer aqui em breve é sinal de que fui bem sucedida e que o período de seca deveu-se exclusivamente à sem-graceza dos últimos tempos, senão decreto-me em estágio criativo terminal.

Pipoca com queijinho, caneta, AÇÃO!

terça-feira, 9 de julho de 2013

Feliz é o desaniversário!

Uns amam, outros detestam, eu simplesmente acho que é bizarro o dia do nosso aniversário. Fico encafifada quando, por exemplo, em maio, pego um produto na prateleira do supermercado e vejo que ele vai vencer no dia 10 de julho; como pode o universo funcionar normalmente num dia em que – todo ano – o meu mundo para?!

Gosto do fato de o meu aniversário ser exatamente no meio do ano, mas não foi sempre assim... Na infância, minhas festinhas ficavam meio vazias porque meus amigos iam viajar de férias e, também por causa das férias, na adolescência, acabei nunca levando uma ovada, apesar de, na época, morrer de vontade de saber qual a sensação de me besuntar com ovos fedorentos (segredo nosso, a curiosidade não sobreviveu a muitas primaveras). Hoje sei que a grande vantagem do meu dia é que ele está radicalmente separado do fim do ano. Como também entro em parafuso no réveillon (outra data enigmática, mas universalmente enigmática e por isso menos enigmática pra mim), meus dois dias fatídicos ficam completamente separados no calendário e, entre uma crise de que-porra-tenho-feito-da-minha-vida-? e outra, tenho um descanso de meio ano.

Insisto: é bizarro fazer aniversário. Até quem não gosta do seu acaba vendo-o revestido de insuportável grandiosidade, pois além de não conseguir passar por ele de forma mentalmente despercebida (não há remédio que faça nosso cérebro entender que nem sempre gostamos da porcaria do dia e que, de presente, seria providencial poder optar por deixá-lo passar sem que nos déssemos conta!), é relembrado da sua existência a cada despretensiosa menção à data e/ou a cada ligação recebida. Aliás, mora aí outra grande bizarrice: por que recebemos parabéns?! Não fizemos n-a-d-a de útil, apenas não morremos, continuamos firmes e fortes no propósito de envelhecer um pouco mais. Mesmo que nesta última idade muitas coisas boas tenham acontecido, a infeliz data do aniversário nada tem a ver com isso! É só uma data. Deveria ser só uma data. Mas nunca é. O aniversário carrega esmagadores simbolismos.

Comecei a escrever esta crônica porque faz parte do meu simbolismo aniversariante deixar algum relato escrito. Acontece que tive um ano bom e histórias muito alegres não dão boas crônicas, ficam órfãs do elemento estranho que dá luz a um relato. Fato é que estou apegada aos 28, pensei até em mantê-los por mais dois anos, sabe? Queria ter 28 por mais tempo, só que ainda não me sinto velha o suficiente pra começar a esconder a idade, então decidi registrá-los aqui como uma homenagem e aproveitar a oportunidade para fazer um ameaça:


Sabe o que mais odiarei neste aniversário? O momento (sempre há este momento) em que algum filho da mãe se aproximar de mim e, com os 32 dentes escancarados, falar que agora estou perto dos 30 anos de existência, sendo que ainda mal terei inaugurado os 29! Quanta falta de sensibilidade espicaçar o já sofrido espírito envelhecido do aniversariante. Pegarei os 9 meses de gestação e acrescentá-los-ei ao #u do fulaninho desalmado, dizendo: não ria você da desgraça alheia, pois ninguém envelhece sozinho.

domingo, 28 de abril de 2013

Bolofobia


Meu trauma de abril faz hoje 11 anos, e eu não tinha percebido até sacudir a ressaca moral da cama no meio da tarde e ver que estamos no malfadado 28 de abril, o dia que abriu o portal dos abris tenebrosos, em 2002. Tive realmente algumas experiências bem ruins em todos os últimos 11 meses de abril. Nem sempre no dia 28, mas como ele comandou os acontecimentos dos dois primeiros anos, virou o símbolo do meu pavor abrilino. Na minha humilde opinião, agosto tem menos motivos pra ganhar o epíteto de “mês do cachorro louco” do que abril.

Não vou descrever aqui meus 11 episódios lastimáveis, basta que você imagine algumas coisas ruins que podem acontecer com uma pessoa e saber que, quando é comigo, acontece em abril. Para ilustrar, colocarei aqui uma crônica não-publicada de abril do ano passado. Não fala de um acontecimento grave e não foi o tenebroso daquele mês, mas exemplifica bem como o meu cachorro mental fica louco nesta época:

“Depois de quase cinco meses morando na Europa e - é justo acrescentar! - tendo pouquíssimo contato social, finalmente recebi, numa segunda-feira, o meu primeiro convite:

- O que você tem pra fazer na quarta? Vai ser legal se você arrumar um tempinho e vier pra minha festa de aniversário, às 7 da noite, em casa – estou fazendo 30 anos!

Como no marasmo em que eu me encontrava, até convite pra velório teria soado atraente, aceitei de pronto. O que dou de presente? Do que europeus gostam?? Ai, meu Deus... europeus!! E agora? Será que o ritual de aniversário aqui é diferente?! A satisfação durou segundos, irracionalmente comecei a ter uma estranha sensação de desconforto mental. Perguntei - por educação, dinheiro eu quase não tinha - se deveria levar alguma coisa.

- Ah, seria bom se você trouxesse o bolo!

Foi então que aconteceu: o desconforto mental virou uma tresloucada pipocação de ansiedade. O bolo?! Por que cargas d’água ela quer que eu leve o bolo?!?! Onde eu vou arrumar um bolo?!?!?! Quanto custa um bolo aqui?!?!?!?! Como assim o convidado levando o bolo?!?!?!?!?!

As quatro letras emBOLOtaram os meus pensamentos e eu mal dormi naquele dia. Rolei na cama, desesperada, pensando no sabor, no formato, no valor, na aparência e no efeito que o bolo deveria causar. E o pior: onde achar o tal bolo? Em todo meu tempo morando lá, só tinha visto 2 padarias em toda a cidade! Como estava cheia de coisas pra fazer, não tive tempo de pesquisar bolos e afins na terça-feira e, na madrugada de quarta, eu era um arremedo de gente. À mal dormida noite anterior, somou-se outra de insônia total. Nem tomar meu tarja preta emergencial resolveu a situação, só clareou um pouco os meus pensamentos e me fez ter noção exata do ridículo da situação. Por que estou com medo de comprar um b-o-l-o? Mas que por%$!

Levantei da cama puta e decidida. Vou rodar essa droga de cidade, mas não me chamo Lívia se não achar um bolo decente! Dito e feito: rodei a cidade. Nas poucas padarias que achei, os bolos eram feios e os valores exorbitantes. Maldito comércio europeu! No supermercado 1, eram minúsculos; no 2, inexistentes e no 3, tinham cara de bolo ruim! Pus pra fora tudo o que estava entalado no meu peito e chorei. Chorei. Chorei ainda mais um pouco e só consegui me sentir ainda pior porque sabia como era absurdo estar sofrendo por causa de um amontoado de trigo, ovos e leite. Foi então que, embaçada pelas lágrimas, uma chocolateria se materializou do que pareceu ser o nada e lá, finalmente, encontrei um bolo bonito, que parecia delicioso, minúsculo e caro, porém pagável. Fui pra casa confiante, satisfeita por ter cumprido minha missão impossível e inconformada por ter me martirizado tanto por tão pouco. Às 5 e 30 a amiga aniversariante me ligou:

- Sinto muito mesmo, mas passei mal hoje e cancelei a festinha. A gente pode se encontrar amanhã?

- Sim, acho que o bolo resiste até lá... No mesmo horário na sua casa então?

- Ah, não... Não me sinto mais em clima para comemorações, mas a gente marca um almoço!

E – simples assim! – levei um bolo.”

quarta-feira, 27 de março de 2013

Cavalada


Tarde da madrugada e eu aqui matutando sobre o cavalo, este ser complexo. Estranho, concordo, estranhíssimo!, mas são coisas que passam pela mente inconstante de uma  insone que se apegou ao animal depois de vê-lo adjetivado em versões opostas. Primeiro, na cena picante de um filme, aos berros, por uma mulher sexualmente ensandecida: “vai, cavalão!” (pouco me importa se você está curioso para saber a que tipo de porcaria ando assistindo); horas mais tarde, na rua, também aos berros, por uma mulher raivosamente ensandecida: “some da minha frente, seu cavalo!” Ora aclamado garanhão, ora excomungado grosseirão... como é profundo o significado não-denotativo do cavalo, como é profunda a inquietação viajante da mente que não encontra descanso no travesseiro.

Cavalo-marinho, Cavalo de Troia, Cavalo de Fogo...

Minha prima, 5 anos. Num segundo, confiantemente montada no novo cavalo do sítio, pai segurando de um lado, mãe do outro. No segundo seguinte, estatelada no chão após o trote furioso que o Bob deu para se vingar dos donos que lhe cobravam passadas de pangaré velho. No mesmo sítio, uns anos depois, um adulto sem limites enfileirou no lombo da burrica de estimação familiar simplesmente quatro crianças alvoroçadas. Nada burra, a bicha, que notou que dar uma empacada por metro não estava demovendo seu dono e os tresloucados cavaleiros do propósito de contornar a casa, com velocidade incomum, deu uma viradinha corporal ao dobrar a “esquina” e em sincronia perfeita lançou à lama suas quatro rivais, ainda engatadinhas umas às outras.

Saudoso cair do cavalo infantil! O latu sensu só começa anos depois, mais ou menos quando aquela amizade acaba por causa de uma acusação falsa e aquele pé na bunda biônico te arranca do “Fantástico Mundo de Bob” (nada a ver com o equino que brincou de segura peão com minha prima!) As marcas são outras, mas o susto é basicamente o mesmo. Cair do cavalo é impactante em qualquer esfera de sentido. Quem já caiu várias vezes e sabe que terminar pranchado no chão é um destino quase inevitável aprende a curtir o galope e se agarrar à crina do animal com mais força - se eu cair, este quadrúpede vai junto!

Cavalo-vapor, cavalete, cavalhada...

Cavalo por cavalo, lembrei do maldito cavalo branco que tantas mulheres esperam que chegue trazendo o príncipe encantado. Não sei se o que me deixa mais indignada é a crença num homem perfeito ou a capacidade doentia de imaginar que, se tal coisa existisse, viria acoplada a um cavalo. A um cavalo branco. De outra cor não serve, de busão não serve, de jatinho particular menos ainda. Tenha a santa paciência que nem pra Pollyanna esse papinho cola! Sinto muito, mas se você já fantasiou algo assim (refiro-me à soma louca “homem + cavalo branco”, pois sei que, em alguma fase da vida, toda pessoa estigmatizada pelo XX já fantasiou um homem perfeito) espero que ele te encha de coice. Ele, o animal, não o homem.

Cavalinho de pau (o brinquedo), cavalinho de pau (a manobra), Cavalera (a marca)...

E a mente privada de sono fica ainda mais confusa... A cavalo dado não se olha os dentes. Não mesmo? Conheço gente capaz até de levar o tal cavalo para um spa odontológico e ganhar às custas do bichão uma verbinha. Tenho um fato verídico, mas deixa pra lá... Bife a cavalo, tá dando fome... Preciso dormir. Vou contar cavalinhos: salta, andaluz! Agora é sua vez, cabardino! Vamos, percheron, sem preguiça, salta! Não vai dar, achei engraçado. Pior que amanhã acordo cedo e tô exausta. Vou chamar o tarja preta; há de ser uma dose cavalar.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Aquele com a prisão e a queimadura*


Ontem comecei a escrever uma crônica que foi interrompida quando meu carcereiro voltou e.... Ah, leia aí que fica mais fácil de entender. Depois concluo o pensamento:

“Escrevo direto da cadeia. Estou presa aqui em casa, putíssima porque alguém levou minha chave por engano (ou por engano a escondeu) e não posso sair. Mais puta ainda porque o motivo da revolta é que estou perdendo aula do meu cursinho pra Fiscal do ICMS. Ou seja, virei uma cdf sem escrúpulos. Pqp! Eu podia estar vibrando, eu podia estar roubando, eu podia estar matando, mas não, estou brava por estar perdendo a-u-l-a! Tinha expectativas melhores acerca de mim mesma. Aff!!!

A revolta tirou meu entusiasmo pelo “feliz” tempo livre e só sobrou vontade de escrever e descarregar minha ira, usando a desculpa esfarrapada de que escrever crônicas é escrever sobre coisas cotidianas. Já fiquei presa – pra dentro e pra fora – algumas vezes e acho que isso é um acontecimento corriqueiro (essas coisas acontecem com todo mundo, não acontecem?), mas ficar brava por perder aula (AULA!) é inadmissível. Deus meu!

u-huuul! Alguém chegou... vou pra aaaaaaulaaaa!
(Shame on me!)”

Bom, esse foi o caso de ontem. Fiquei perplexa o resto do dia. No meio da aula de português, me peguei distraída algumas vezes, lamentando o ser responsável que está se apossando de mim. Depois sacodi a poeira, mentalizei que fim de semana estava aí e que eu poderia virar o jogo e, simplesmente, esqueci o acontecimento lastimável. Até agora há pouco. Mas a história do sábado deplorável que vou contar agora começou há várias horas e também me leva ao cursinho, onde um simples ato condenou meu dia...

Tomei café.

Sou meio intolerante a café (digo “meio” porque às vezes passo mal quando tomo um gole e, às vezes, tomo copos e não faz nem cosquinha), mas como estava dormindo numa aula de raciocínio lógico, achei que valia a pena correr o risco. Só que - claro! - não valeu. Passei o resto do sábado detonada por um copinho com 50 ml do maldito líquido preto. Sem conseguir fazer nada que exigisse movimentos, fiquei prostrada na cama, vendo seriado atrás de seriado até ser inspirada por uma ideia gorda: vou “comemorar” meu estado de molho me empanturrando de brigadeiro. Resumindo (e, sem querer, rimando), nos 8 minutos que separaram o pensamento de esganada da primeira colherada, fui castigada: presenciei um curto-circuito na tomada do micro-ondas e consegui jogar brigadeiro escaldante na minha mão.

Estou queimada e com dor, prestes a gastar o resto do dia vendo os últimos episódios de Friends (sim, eu ainda não sei se a Rachel fica ou não com o Ross), chorando e engordando, e – o mais doloroso de tudo – sofrendo com a descoberta de que virei uma nerd dos infernos (aliás, amigos do fim de semana passado, estou tomando a derradeira Satan enquanto escrevo)... Se ainda tenho posição moral para dar algum conselho: pare de ler esta droga aqui e vá viver. Sabe-se lá se, em um ou dois anos, a vida também não vai te transformar em um monstro cedeefoso!

* Homenagem: título à la Friends dublado.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A Casa da Vó


O ano de 2013 começou e, creiam, minha vida está cheia de novos planos. Só que nada parece inteiramente novo. Escrevo direto do meu querido mausoléu de lembranças, o lugar que escolhi como ninho para os novos planos: a vazia casa da minha vó. Resolvi dedicar este ano a muito estudo, pois preciso focar no futuro. Mas agora, vivendo de foco, percebo claramente como a vida - esta pândega - insiste em me mostrar como está repleto de passado o meu futuro.
Por motivos econômicos, voltei a morar com a minha mãe. Uma rotina que imaginei inédita: cursinho para concurso público de manhã, academia no fim da tarde para descarregar a energia que tenho em excesso e horas e mais horas de estudo. Acontece que me deparei com novos dias que começam como nos anos do colégio, com minha mãe me despertando com o carinhoso copo de leite em mãos; com um cursinho que ocupa o espaço onde sempre morou minha tia-avó; com uma academia cheia de amigos dos velhos tempos; e com almoço em família, coisa cara para quem, como eu, passou a última década intercalando dias de bandejão com dias de comidas congeladas trazidas do interior (sombras gustativas do que foram no calor do fogão e do lar). Embalada pela onda do novo-velho, optei por estudar todos os dias na casa da minha vó. “Lá é silencioso” é o que falo para quem me pergunta por que ir justo para aquele lugar. “Lá é onde eu mais me encontro comigo mesma” é a resposta que oferto em pensamento. 
Há sete anos, quando ela se foi, esta casa virou um lugar proibido. Imaginei que pisar aqui seria doído e estranho, que, se isso acontecesse, eu conheceria a palavra “vazio” em sua mais triste acepção. Autodefesa: apagou-se da minha memória a primeira vez em que aqui voltei. Porém, sei que pouquíssimo tempo bastou para me ensinar que neste lugar nenhuma solidão seria possível.
Estou sentada na varanda (a varanda!), assistindo a uma pancada de chuva e sendo arrastada por um vendaval de sentimentos. Sou normalmente saudosista, mas aqui sinto uma saudade às avessas. Os respingos da chuva que agora me atingem ecoam as inúmeras orações que, ao meu lado, minha vó ofertou à Santa Rita para que a rua não sofresse outra enchente. No gramado, hoje maltratado, ressoam os gritos dos primos que tantas vezes ali jogaram bola. Na cozinha, desértica, movimentam-se tios que conversam, bebem e riem. O sofá transmite o som do jornalzinho televisivo das sete da manhã, que eu não entendia quando era pequena, mas que via com prazer porque me proporcionava a hora de ficar deitada com a vovó. O estático gancho da rede range, balançando todos os Guimarães e todos os sonhos que se refestelaram ali. Saudade às avessas, lembranças de um tipo raro que só aqui encontro: vivas! Não se afastam no tempo e não machucam.
A tempestade está passando... O silêncio, convidativo, aponta meus livros... Mas o burburinho dos tempos distantes ainda chove aqui dentro.

Originalmente publicado em 15-jan-2013, no site do projeto social Um Brinde à Vida, em que escrevo a coluna mensal Caleidoscópio.
http://www.ubavbrasil.com.br

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Um feliz 2013 a quem sobreviver aos fogos de artifício!


[FOGOS] Quem inventou moda de comemorar a virada do ano, hein? Pela barba do profeta, que mau gosto! Eu adoraria que, em algum momento inesperado do pós-Natal, quando todos nós estivéssemos bem distraídos, houvesse um coma universal e nós só acordássemos já no ano novo.

Nesta data se destacam dois tipos de pessoas: as místicas, que criam mil rituais de passagem, e as céticas, que mandam as simpatias pra pequepê e vão curtir a data como bem manda a vontade. Sou de um terceiro tipo, participo de um grupo solitário: o obsessivo-meio-místico-extremamente-melancólico. Odeio fins, detesto despedidas e não consigo me sentir confortável no réveillon. [FOGOS] Uma angústia doida (já velha inimiga) vem me visitar a cada dezembro que começa. Traz como acompanhantes os transtornos obsessivos. Quando não dou conta do ritual maluco que minha mente cria, vem também a culpa... “Puxa, não li cinco dos livros que tinha programado para 2012”... “O ano tá acabando e o meu quarto pós-reforma continua uma zona. Como posso começar um ano novo com o pé direito se não dá nem pra achar um sapato neste pardieiro?”... “Não levei ao orfanato as roupas que separei para doar”... “Não há a menor possibilidade de virar a meia-noite sem postar a segunda crônica de dezembro. Tô sem criatividade, mas que se dane! Vamos lá, mente, dá “seus pulo” aí, se o ano acabar sem eu ter cumprido esta meta, o próximo será uma catástrofe crônica!

Sigo obedecendo minha cabeça tirana para ter algum sossego mental. [FOGOS] É o jeito, com isso já me conformei. Tento de todas as formas ver o copo meio cheio e pensar em tudo de lindo que o ano novo pode ter, mas não consigo gostar de passar todo santo dia 31 tendo que ouvir essa foguetaiada compulsiva dos infernos. Mas que coisa! Pra que isso, fogueteiros, que mensagem vocês têm a passar? Pros meus ouvidos melancólicos, cada sessão “FOGOS” martela em mim a angústia do porvir.

Este ano foi tão imprevisível, mas tão imprevisível, tão imprevisível, que chego ao último dia cansada e, paradoxalmente, morrendo de dó de encerrá-lo. Acho que 2012 marcou o fim da minha adolescência tardia, o fim da liberdade e da angústia de não ter nem ideia de como estará tudo no fim de mais um ano. Duvida? Comecei 2012 na Avenida Paulista, sem saber em que país, com que estado civil e em que ramo profissional eu passaria a próxima virada. Devo confessar que ainda não sei como acabarei 2013, mas tracei algumas metas para fincar meus pés flutuantes no chão. [FOGOS] Apesar das críticas características, fica aqui uma confissão: em partes, amei a imprevisibilidade de 2012!

[FOGOS] [FOGOS] [FOGOS] Vou parar por aqui porque mal posso me concentrar com essa pipocação aérea barulhenta de fim de ano. Que 2013 seja pra você um ano de sonhos e conquistas e que haja a pitada certa de imprevisibilidade para que você se lembre de que essa vida é louca, graças a Deus!